Chegamos a mais um 20 de novembro sem nada para comemorar. Muito pelo contrário: com grandes retrocessos para população negra, potencializados por um governo racista, que aprofunda o projeto de necropolítica iniciado com a colonização, e que se moderniza até os dias de hoje. O governo neofascista de Bolsonaro banaliza e minimiza o racismo e as mortes da população negra pela violência de Estado, destrói as conquistas históricas desse povo, aparelha e sucateia entidades, como a Fundação Palmares.

Mas Zumbi dos Palmares segue sendo nosso farol na luta contra o racismo, a República de Palmares, como a ele se referia o grande autor Clovis Moura, continua e sempre será nossa referência de resistência e luta. E, mais, de como é possível construir uma sociedade justa, fraterna e livre de qualquer opressão, intolerância ou exploração, pois lá a gestão era coletiva; as leis eram justas; o trabalho, compartilhado; e reinavam a solidariedade e o respeito às múltiplas culturas que ali residiam.

O Estado, mesmo ainda colônia, sempre implementou leis antinegros. O primeiro instrumento de legislação, adotado por essas terras, foram as ordenações Filipinas. Nas disposições Filipinas, são identificados 71 dispositivos concernentes à escravidão, que orientavam os direitos e as garantias aos(às) escravizados(as), instrumentos legais  que eram inerentes à sua punição, ou seja, tortura e extermínio. Mais do que isso: houve 18 dispositivos que limitavam sua liberdade e seus direitos; 16 que lhes concediam direitos; 18 que lhes puniam e outros 18 que lhes regulamentavam, assim sendo os negros e as negras como coisa, propriedade, produto e produtor da riqueza dos latifundiários escravocratas.

Depois, a independência do Brasil manteve a escravidão e, em sua constituição de 1824, traz um artigo em que dizia que a educação era para todos, mesmo havendo milhares de crianças escravizadas. Vemos que a população negra segue como coisa sob a ótica das leis do Império. Em seguida, a proclamação da República acontece sem participação popular e sem garantir a indenização da população negra escravizada, que havia sido libertada legalmente há apenas um ano.

No início do século 20, 92% dos trabalhadores na indústria eram estrangeiros e, em 1911, no setor têxtil, cerca de 75% da força de trabalho era estrangeira, em sua maioria, italianos. O restante era ocupado quase todo por brasileiros, que não passaram pela escravidão; e pela população negra, quando tinha trabalho que ninguém queria fazer.

Com o desenvolvimento capitalista – no caso do Brasil, um capitalismo dependente por consequência de um escravismo tardio, uma vez que foi o último país a abolir legalmente a escravidão – vale lembrar que houve muitos levantes e revoltas negras, e que a população escravizada não era passiva, como alguns autores apontam. Foi a resistência que nos libertou e continuará nos libertando.

De 2019 para cá, as violências policial e de Estado se acentuam e têm como vítimas, como grande maioria, jovens negros, mas, também, mulheres e homens, alvos de uma política militarizada e de controle espacial, que se utiliza do discurso de guerra às drogas para implementar uma estratégia de ofensiva às periferias, de criminalização da pobreza, da cultura e da identidade negra, pois o extermínio se dá, primeiro, por ceifar vidas e corpos negros, e, também, pelos ataques à ancestralidade,  à cultura, ao sagrado e à estética de nosso povo.

A pandemia escrachou essas desigualdades. A Adesaf, comprometida com seu papel de transformação social, combate qualquer forma de opressão, intolerância, racismo, homofobia, machismo, xenofobia. Em seu último edital para o INICIA, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos da instituição, reforça como público prioritário a população em alta vulnerabilidade, como jovens negras e negros, mães solo e LGBTQIA+. Nosso compromisso é com a defesa intransigente dos direitos humanos, e, a nossa luta, por uma sociedade liberta do racismo.

Dessa forma, viva a luz de Zumbi dos Palmares, Luiz Gama, Dandara, Carolina de Jesus, Lima Barreto, Machado de Assis, Malcon X, Clovis Moura e outros heróis de nosso povo. Salve os Racionais, Sabotage, Cartola, Wilson das Neves, MC Primo, Claudio e Ratinho e MC Barriga. Via a nossa cultura, a capoeira de mestre Sombra, o jongo e os orixás.

 

Seguimos na resistência.

Palmares ontem, hoje e para sempre!

 

Odair Dias Filho 

Diretor técnico da Adesaf, mestre em Serviço Social e Políticas Sociais, pesquisador, escritor e professor universitário